2) António Borges Correia, Os olhos de André – 2015 (26 Outubro)
A frase de abertura do filme – “Esta é uma história verdadeira, representada pelas pessoas que a viveram” – diz o essencial sobre este filme simples e despretensioso, mas cativante e profundo: o interesse pelo humano, na sua fragilidade e dignidade, e a atenção à vida real, acima de qualquer evasão ou fantasia. Não admira, por isso, que o título do filme fale do olhar, e que esse olhar seja o de um rapaz de 12 anos, pois trata-se, precisamente, de colocar o espectador a olhar para a vida com a abertura, a esperança, a vitalidade e também a dor de um pré-adolescente, confrontado com os seus sonhos e com a necessidade de viver o drama da sua própria família, que o obriga a amadurecer.
António Morais é um pai de 4 rapazes, que vê o seu casamento ruir e ser-lhe retirado o filho mais novo, confiado a uma família de acolhimento pela Comissão de Proteção de Crianças e Jovens, após a mãe, com quem viviam, passar por problemas aditivos e atribuir a filiação paterna do filho mais novo a outro homem. O afastamento desta criança da família fere os laços que os uniam, e o sofrimento pela perda transforma-se em fonte, força e coragem para recuperar o filho e o irmão mais novo. Para António, a questão da filiação biológica desta criança não tem qualquer importância, pois ama-a incondicionalmente como seu filho. Para o André o regresso a casa do seu irmão, para viver com e entre os irmãos, torna-se o grande objetivo dos seus dias. A história desenrola-se em torno deste acontecimentos e do quotidiano desta família em dôr, mas unida: pela presença de um pai plenamente consciente do seu papel de pai, capaz de transmitir aos filhos a segurança afetiva e educativa, atenta aos pequenos acontecimentos do quotidiano (entre eles está o desejo de André de vir a ser jogador de futebol, que António exige que o filho viva com verdade e lealdade); e de filhos, seguros do amor paterno e necessitados da vida de irmãos. Esta história, através do drama de famílias em desagregação e em perigo, com filhos retirados e irmãos separados, retrata a perseverança e a fé (pela qual o António sabe de onde pode, ultimamente, vir o Bem dos seus) e desafia a uma ética ecológica de preservação, de cuidado e de unificação, em favor da pessoa, da família humana e da coesão social.
Este filme em tom de documentário – que ganhou o prémio de melhor longa-metragem portuguesa no Indie Lisboa, bem como o Prémio Árvore da Vida da Igreja Católica e o prémio TAP – exibe a coragem da simplicidade. A sua aposta é mais na força da presença real dos protagonistas desta história, captados em longos planos fixos dos rostos e em silêncios expressivos, do que na preocupação pela qualidade de uma performance técnica ou no virtuosismo de efeitos especiais ou narrativos.
A cena, cheia de candura, em que o filho Tiago canta uma canção pelo dia do pai sintetiza o tema essencial desta obra, que é também um hino esperançoso, confiante e grato, a esse amor pleno, viril e total que é espelho de um Amor maior.