
5) Xavier Beauvois, Dos homens e dos deuses (Des hommes et des dieux) – 2010 (16 Novembro)
Baseado na história real dos monges trapistas de Tibhirine, na Argélia, que foram assassinados por fundamentalistas islâmicos em 1996, este filme – que ganhou vários prémios, entre eles o Grande Prémio do Festival de Cannes de 2010 – centra-se nos dias anteriores à tragédia. Os monges vivem bem integrados numa comunidade pobre e maioritariamente muçulmana, prestando apoio de vários tipos, inclusivamente médico, à população local, que os considera amigos. Porém, o eclodir da guerra civil argelina vai trazer a violência e a perseguição, obrigando os monges a considerar a possibilidade da sua partida.
O filme levanta várias e pertinentes questões, desde logo a da liberdade religiosa e a do seu impacto em países laicos como a França, e também a questão do diálogo interreligioso, tão decisiva nos nossos dias. Mas a questão de fundo, que atravessa toda a obra e lhe confere uma forte tensão dramática, é a da liberdade pessoal diante da hipótese do martírio. Como encarar a possibilidade de se ser assassinado pela própria fé, sabendo que o martírio não deve ser buscado, mas tão-só aceite no caso de se revelar inevitável? Como decidir a favor da legítima defesa da própria vida, se ela implicar o abandono daqueles que protegemos? De facto, ao conversarem com amigos árabes sobre a hipótese da partida, os monges ouvem dizer: “Nós somos as aves, vocês são os ramos; se forem, não saberemos onde poisar…”.
É perante o drama destas perguntas que se trava a luta entre a força de Deus e a fraqueza humana, como diz a passagem ouvida no início: “Vós sois deuses, filhos do Altíssimo, mas caireis como homens, como príncipes”. É na intensidade desta batalha que vemos moverem-se as almas e os corpos destes monges, que rezam em conjunto, meditam, debatem o problema, sofrem, têm medo, trabalham, entre-ajudam-se na aflição. E vemos como Deus, que pode temporariamente parecer silencioso – “nós não vemos o teu rosto, amor infinito”, diz uma das orações – , não deixa de responder a quem lhe pede.
Dois momentos particularmente belos são de destacar: o diálogo entre o Superior do mosteiro, o padre Christian de Chergé, e o chefe de um grupo de terroristas que os ameaça na noite de Natal, ficando este tocado pela certeza, a coragem e a fé do monge, que não cede ao medo (monge este que virá a rezar mais tarde pela alma do seu inimigo); e a belíssima cena do último jantar comum, festejado com música e vinho, na véspera do martírio, em que cada rosto comovido, visto em grande plano, é, como dissera o Superior, a imagem da encarnação do próprio Deus na humanidade. O filme, que tão eloquentemente demonstra que verdade e amor coincidem, termina com a voz em “off” que nos faz ouvir a maravilhosa carta deixada pelo padre Christian, testemunho autêntico e radical de fé, verdade, perdão e amor incondiconal a Deus e ao próximo.